O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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Fui convidado para ser prelecionista de três importantes palestras durante 2º Fórum Técnico - Café e Clima, que foi promovido pela Cooxupé no dia 06 de outubro. Na oportunidade, pude fazer uma introdução sobre o tema e o evento online seguiu com as palestras: Avaliação das condições agrometereológicas de 2020 nas regiões cafeeiras da Cooxupé, ministrada pelo Eng Agr Eder Ribeiro Santos, Condições Agroclimáticas nas regiões cafeeiras do Brasil e perspectiva para a safra 2020-21, ministrada pelo Dr. Paulo César Sentelhas, e Calor e seca: a florada do café vai vingar?, ministrada pelo Dr. José Donizetti Alves.
Abaixo, segue o relato que fiz durante o encontro. As fotos mencionadas no conteúdo se encontram na galeria abaixo.
Eu e muitos cafeicultores estamos vivendo dias de muita apreensão, pois a realidade hoje se apresenta de uma forma muito diferente da qual estamos acostumados, algo que nunca imaginamos está acontecendo - uma florada se abrir com temperaturas elevadas e com baixas reservas de água no solo na maioria das lavouras (Foto 01). Além disso, pelas previsões, somente após o dia 10 teremos mais chuvas. Quer dizer, essa condição de calor e seca está se estendendo por mais 10 dias após a florada e levando as plantas ao limite.
Isso me faz recordar da época em que trabalhava no Oeste da Bahia, quando validamos a pesquisa do Estresse Hídrico do Cafeeiro em parceria com a equipe do Dr. Antônio Guerra da Embrapa Cerrados. Como a produção de café era irrigada, nossa grande preocupação era retornar a irrigação no início de setembro, evitando assim o risco de ocorrer temperaturas acima de 35ºC durante a abertura das flores, uma vez que as pesquisas já sinalizavam que a partir desse nível poderia haver danos ao florescimento tanto na fecundação quanto no pegamento dos chumbinhos, comprometendo assim a safra seguinte com perdas significativas na produção.
A realidade do Sul de Minas e de São Paulo hoje, pelo menos nas áreas de sequeiro que conheço e atuo, é que as lavouras estão passando por uma privação hídrica muito grande. Nos últimos 6 meses, as chuvas caíram em níveis muito baixos, menores do que a metade das médias históricas, e a temperatura, por sua vez, está muito elevada, uma combinação que maltratou muito as plantas, que saíram de uma safra de bienalidade alta. Mesmo lavouras boas, que produziram pouco este ano (Foto 02) ou foram podadas recentemente apresentam grande desfolha do final de agosto para cá, além de queda no potencial quando comparado ao que apresentavam no final do outono (Foto 03).
Já as lavouras mais velhas, que já iriam ser podadas e tiveram alguma restrição de tratos, estão ainda piores e sem dúvidas deverão receber a poda. A questão preocupante é que outras lavouras, que a princípio não seriam podadas, pois produziram uma meia carga e teoricamente deveriam produzir de novo, também sentiram muito e apresentam necessidade de poda (Foto 04). Se o cafeicultor optar por não as podar, a produtividade será muito baixa mesmo que as chuvas se normalizem. O quadro que estamos vivendo é irreversível, muito preocupante e com certeza afetará a produção da safra a ser colhida em 2021 (Fotos 05 e 06), o que mostramos no último vídeo disponível no Canal Papo de Cafeicultor – Clima prejudica o cafeeiro: o que fazer.
Além dessas questões relativas ao arbusto, também temos muitas variações quanto ao topo clima, como faces de diferente insolação, topo de morro, baixadas mais úmidas etc., o que pode gerar níveis diferentes de perdas dentro da mesma fazenda ou região.
Além de ir ao campo nesses últimos dias, tenho recebido muitos relatos, fotos e vídeos de cafeicultores de diversos municípios que me acompanham pela internet fazendo questão de dar o seu depoimento sobre o estado das lavouras e sobre a florada se abrir com a temperatura muito elevada e sem reserva de água no solo. Entre eles, o questionamento é sempre o mesmo: como será o pegamento dessa florada (Fotos 07, 08 e 09).
As dicas que posso deixar para os cafeicultores pela minha experiência de já ter visto muita coisa nesses anos, como flor secar sem abrir e vingar, outras virarem estrelinhas, chumbinhos caindo só de relar, situações boas e outras nem tanto, é que se a flor secar cor de chocolate é um bom sinal de que houve a fecundação (Fotos 10 e 11) e se o chumbinho ficar amarelo pode ser que já tenha se desligado da planta (Fotos 12). É muito importante deixar claro que mesmo se as chuvas se normalizarem a partir deste mês, o que a planta já penalizou para a próxima safra não volta mais. Quanto aos ramos, sabemos que há crescimento compensatório, por isso temos que cuidar bem da lavoura e prepará-la para a safra de 2022 (Fotos 13, 14 e 15).
Para concluir, não há como falar de café e clima sem se lembrar do mestre Dr. Ângelo Paes de Camargo (Foto 15), que me ensinou que o arbusto que não se adaptou a essas variações climáticas ficou para trás na evolução da espécie, então as variedades que cultivamos hoje são oriundas desses fortes que conseguiram sobreviver. Quer dizer, o cafeeiro aprendeu a penalizar folhas, ramos, gemas, flores, chumbinhos e frutos para sobreviver, pois ele sabe que se não morrer haverá outra primavera.
O cenário é esse, tudo indica que teremos perdas para próxima safra e o que já posso contabilizar é que minha área de poda dobrou em relação ao planejamento. Quanto as lavouras que ficaram, vamos ver como responderão após o retorno das chuvas.
A presença de estrelinhas nas lavouras de café é um aviso, uma resposta das plantas ao clima adverso de que algo está fugindo da normalidade
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