O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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O cafeeiro é resiliente aos estresses. Essa afirmativa é uma das mais ouvidas em eventos cafeeiros, especialmente quando se referem ao clima e por isso, resolvi fazer algumas reflexões sobre este tema.
Segundo o dicionário, “resiliência é a característica dos corpos que, após sofrerem alguma deformação ou choque, voltam à sua forma original”. Trazendo para o reino vegetal, uma planta expressa resiliência quando ela recupera sua capacidade produtiva após um período de estresse (Figura 1). No exemplo abaixo, considerando o sentido “stricto sensu” (interpretação no sentido estrito) da palavra resiliência, apenas a “espécie A” é resiliente. As demais, pela sua parcial recuperação, não exibem essa capacidade. Entretanto, alguns, preferem adotar o sentido “latu sensu” e interpretam a palavra resiliência, no sentido mais amplo, generalizado e consideram que a recuperação não precisa ser total, plena, ou seja, não precisa voltar a sua forma original. Nesse caso, consideram que a “espécie B” também é resiliente, embora ela não tenha recuperado sua produtividade pós-estresse.
Feita essas considerações, voltemos ao cafeeiro, e espero que ao final, o leitor possa se posicionar por uma interpretação estrita ou generalizada da palavra resiliência e responda se o cafeeiro é ou não é resiliente aos estresses climáticos. A figura 2 que mostra a série histórica de produção total do cafeeiro (Arábica + Conilon) no Brasil de 2001 a 2023, segundo a Conab, ajuda a esclarecer.
Considerando o sentido estrito, verifica-se que, de 2002 a 2012, a resiliência do cafeeiro, demorou 10 anos para se expressar, uma vez que o volume da safra 2002 (48,5 milhões de sacas) somente foi ultrapassado em 2012 (50,8 milhões de sacas). Por outro lado, se tratarmos a resiliência no sentido amplo, genérico, vamos notar que, nos anos 2004, 2006, 2008, 2010 e 2012, o cafeeiro expressou resiliência, uma vez que nesses anos pares, ele sempre superou a produção dos anos impares antecedentes. Lembremos que quando no espaço de dois anos, temos uma safra alta e outra baixa, e assim por diante, chamamos isso de bienalidade de produção. Então, no curto prazo, caso a produção não supere o nível da última grande safra, a bienalidade é a expressão da resiliência, no sentido amplo da palavra.
O mesmo raciocínio se aplica ao período recente de 2020 a 2023. A última grande safra foi em 2020 (63,1 milhões de sacas). Na sequência, devido a bienalidade, já era esperado uma safra menor em 2021 e ela se concretizou em 47,7 milhões de sacas. Por outro lado, em 2022, por ser um ano de safra cheia e na crença de que a resiliência iria se expressar em seu sentido estrito, todos esperavam uma safra de no mínimo, igual a 2020. Entretanto, dado ao calor e seca, ela não veio e foi apenas maior (50,9 milhões de sacas) que a do ano anterior.
Novamente, na esperança de que a resiliência se expressasse depois de 3 anos, a esperança de uma grande safra foi transferida para 2023, mesmo sabendo que isso significaria uma inversão da bienalidade e a safra cheia viria a cair em ano ímpar. Como a seca e o calor extremos ainda persistiram, a safra de 55,1 milhões de sacas frustrou as expectativas.
Resta agora esperar pela safra 2024 e torcer que ela, não apenas supere a safra 2023, mas que seja igual ou superior a de 2020. Acontece que dificilmente isso vai acontecer, com maior intensidade no Conilon, dado a severidade do calor e da seca no Espirito Santo, que nem a irrigação está conseguindo amenizar e, em menor intensidade, mas não menos importante no Arábica, devido ao menor volume de chuva que caiu em novembro e as altas temperaturas recordes. Sob estas condições estressantes, para ajustar sua demanda energética à carga de frutos, as plantas jogaram no chão uma maior quantidade de chumbinhos que o esperado para a época. Além disso, está havendo um comprometimento no crescimento dos frutos, que pode refletir negativamente na peneira da próxima safra. E para piorar, os meteorologistas afirmam que existe uma alta probabilidade de veranicos entre janeiro e fevereiro, em pleno período de granação, o pode provocar chochamento dos frutos e a ocorrência do coração negro, aumentando a percentagem de boia e um menor rendimento da safra 2024. Desse jeito, só nos resta esperar por mais um ano de modo que, a safra 2025 não seja apenas superior a de 2024 mas que ela supere a safra 2020.
Nessa altura do campeonato, deve ter ficado claro que a resiliência, quando se considera produção de café, deve ser entendida como superação e como tal, ela tem que ser tratada, sempre, no sentido stricto sensu e sendo assim, a altura do sarrafo em 2024 deve ser de 63,1 milhões de sacas e o ano a ser batido é o de 2020. Finalmente, respondendo à pergunta se o cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos, eu diria que sim. Entretanto, a depender da intensidade, da frequência, do tempo de duração e do número de estresses, essa resiliência pode demorar anos para se manifestar, como quando se considera a produção, por exemplo. Por outro lado, a despeito das limitações genéticas, fisiológicas, ambientais e agronômicas que diminuem a produção do cafeeiro: sob os estresses do dia a dia, de menor intensidade e duração ou as providências que foram tomadas tão logo estes estresses se manifestaram, como pragas, doenças e deficiências minerais, a resiliência se revela em questão de dias. Ainda bem.
No meu ponto de vista, a consideração generalizada da resiliência (latu senso), serve apenas como consolo, uma vez que a safra passada foi superada pela que está sendo colhida. Menos mal, pior se fosse menor. Entretanto, a meta a ser perseguida é sempre superar a última grande safra. Por isso, quando se trata de produção, penso que o mais adequado é pensarmos no sentido estrito (stricto sensu), uma vez que a meta é sempre superar a safra recorde e evoluir sem cessar. O mesmo raciocínio deve ser feito para os estresses do dia a dia, o que nos convida a sempre estar atentos para agir o mais rápido possível, quando esses estresses se manifestarem. Nunca deixar para mais tarde com o pensamento equivocado de que o cafeeiro é uma cultura perene e como tal, pode esperar. Ledo engano, se você perder esse tempo, o prejuízo é certo. Mas o ideal mesmo é não esperar o estresse chegar, adotando manejos que preparem e que fortaleçam as plantas para os estresses. Isso sim, é que ajuda a resiliência. Antecipar ações, é o único modo de fazer o cafeeiro trabalhar a seu favor. E ele agradece, diminuindo as perdas com os estresses.
Autor:
Prof. José Donizeti Alves
jdalves@ufla.br
(35) 9 9200.6703
@prof.donizeti
A presença de estrelinhas nas lavouras de café é um aviso, uma resposta das plantas ao clima adverso de que algo está fugindo da normalidade
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