O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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O início de 2019 chegou com temperaturas elevadas, o que influencia a vida útil e produção do cafeeiro. Na semana passada, tive a oportunidade de estar com o Prof. José Donizeti Alves da UFLA, mestre no assunto, para aprender mais e trocar experiências sobre os principais problemas que estão ocorrendo.
Uma das questões causadas pela alta temperatura é a chamada escaldadura, um estresse oxidativo que provoca a queima das folhas, o que prejudica a saúde das plantas e a produção. Essa queima tem como consequência uma redução na área fotossintéticamente ativa das plantas, diminuindo assim a produção de energia para abastecer o crescimento dos ramos e frutos e podendo levar a morte de gemas para ano seguinte e também a perdas nos grãos da safra pendente.
Durante o amadurecimento dos grãos do cafeeiro, os constituintes líquidos devem se solidificar para produzir a semente. Nos grãos chochos não ocorre essa solidificação por completo, o que provoca perda de peso, de rendimento e comprometimento da semente. Outro problema causado também pela falta de solidificação é o aparecimento do coração negro, em que as estruturas internas do fruto se deslocam afastando-se da parede do pergaminho, provocando assim a morte total dos tecidos.
Mais uma questão importante que vem sendo relata por muitos cafeicultores é uma florada atípica confirmada em muitos cafezais. Veja abaixo o conteúdo enviado pelo Prof. José Donizeti Alves que aborda o assunto.
Floração em janeiro: cafeeiros com relógio biológico desajustado
Até então sabemos que antes da emissão de botões florais é necessário que as gemas indeterminadas, presentes nos ramos plagiotrópicos, passem pelo processo de iniciação floral em abril/maio, após o que estarão irremediavelmente aptas a florescerem em setembro/outubro. Esta cronologia de eventos ligados ao florescimento (iniciação floral, diferenciação, repouso, crescimento das gemas e florada), mostra que o relógio biológico (fenológico)1 do cafeeiro está perfeitamente sincronizado com as condições ambientais. No entanto, um fenômeno incomum tem sugerido que muitas lavouras de café, tanto jovens como adultas, estão com seus relógios fenológicos adiantados ao mostrar que, a porção de ramos com crescimento ativo, que deveria florescer no segundo semestre deste ano, está florescendo neste mês de janeiro. Da mesma maneira, outras estão com seu relógio atrasado pois floresceram em partes de ramos já com frutos.
A esquerda - Botões florais na porção do ramo em crescimento ativo em cafeeiro de 3 anos. Foto de 10/01/2019 (Cortesia de Clayton Grillo Pinto, Eng. Agron., MS) e a direita, cafeeiro de 17 anos de idade com botões florais, flores e frutos em um mesmo ramo. Foto de 03/01/2019 (Cortesia de Dr. Sergio Parreiras Pereira).
Não existe na literatura cafeeira pesquisas conclusivas que expliquem este fenômeno. Entretanto, duas evidências advindas de estudos no campo da fisiologia molecular das plantas permitem levantar uma hipótese que pode explicar o fenômeno da floração em janeiro. (i) A primeira evidência vem das recentes pesquisas desenvolvidas no CBMEG da Unicamp em parceria com grupos das universidades de Cambridge e de Bristol que demostraram que os açúcares, quando presentes em maiores ou menores concentrações, atuam acelerando ou retardando o relógio circadiano de Arabidopsis thaliana, respectivamente. (ii) A segunda vem da própria literatura cafeeira ao mostrar que iniciação floral e florada são mediadas por adequadas reservas de carboidratos.
Uma característica comum a todas as lavouras que floresceram neste mês é que elas se apresentavam vigorosas, bem enfolhadas, com bom aspecto nutricional/sanitário e em franco crescimento vegetativo; em um ambiente alternado de muita chuva/pequena estiagem, com altas temperaturas. Em conjunto, estas condições demonstram que as folhas estavam fotossinteticamente ativas, gerando uma abundante oferta de carboidratos. Em outras palavras, o excesso de energia produzido nesta época, pode ter provocado um reajuste fenológico nessas plantas ativando genes que anteciparam o florescimento em porções de ramos em crescimento ativo ao mesmo tempo que induziram o florescimento tardio em porções de ramos que cresceram na estação passada. Desse modo, é possível que as hipóteses levantadas para a ressincronização diária do relógio biológico possam ser ajustadas para períodos mais longos, o que caracterizaria um relógio fenológico que, ao ser alterado pelo ambiente, poderia sobrepor dois ciclos fenológicos diferentes como crescimento vegetativo e floração simultâneas em uma mesma parte do ramo. Chuvas abundantes e altas temperaturas diurnas e noturnas como as que estamos percebendo nos últimos meses poderiam ser a causa da floração em janeiro. Se isso é fruto das mudanças climáticas não dá para concluir, mas, caso se confirme, é preocupante.
Evidentemente é desejável que ao longo do tempo, as lavouras mantenham o ritmo do relógio biológico/fenológico frente ao ambiente externo sem grandes variações, o que proporcionaria boas produções. Entretanto, no caso particular, essa florada não deve ter grandes impactos no volume da safra desse ano. Por conta da competição acentuada entre os crescimentos vegetativo e reprodutivo, é provável que haja um baixo vingamento das flores e queda de chumbinhos imposta pela competição desses com os frutos das floradas anteriores. Dado o curto espaço de tempo entre esta florada e colheita, os frutos que não caírem terão um baixo rendimento e, por estarem verdes na época da colheita, influenciará negativamente na qualidade do produto. Para a safra do ano que vem, tudo vai depender da percentagem de lavouras que floresceram e da percentagem de gemas que passaram pelo processo de diferenciação. Como normalmente cada roseta pode abrigar mais de 40 gemas indeterminadas que potencialmente podem gerar frutos, as gemas remanescentes que não passaram neste mês pelos eventos da floração, deverão sofrer iniciação floral em abril/maio, e daí em diante seguir naturalmente seu rumo até a florada.
(1) Entende-se por relógio biológico a capacidade das plantas de perceber sinais ambientais e antecipar mudanças em torno de um ciclo de 24 horas (ritmo circadiano) ou fenômenos periódicos entre as estações do ano (ciclo fenológico).
Para saber mais sobre o assunto, assista aos vídeos no Canal Papo de Cafeicultor:
FLORADA ATÍPICA PREOCUPA CAFEICULTORES
A presença de estrelinhas nas lavouras de café é um aviso, uma resposta das plantas ao clima adverso de que algo está fugindo da normalidade
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