Como as mudanças climáticas já afetam a safra de café de 2021
Todos os anos, em meados de setembro, com cerca de 90% da safra de café brasileira concluída, traders, torrefadores e especuladores de todo o mundo começam a pensar nas projeções para a próxima safra.
O Brasil é o maior produtor mundial de café há mais de um século, sendo assim as previsões e levantamentos de nossas lavouras impactam diretamente a cadeia de café global.
Há muitas décadas já se sabe que padrões climáticos sazonais podem levar a grandes oscilações no mercado internacional. No entanto, há fortes evidências que sugerem que alguns desses padrões não estão sendo mais sazonais, mas parte de um padrão maior de mudança climática, que nitidamente está ameaçando a safra de 2021 e talvez até 2022, 2023 e assim por diante.
As altas temperaturas, o ar seco e o ritmo de chuvas instável já têm deixado efeitos permanentes para a safra 2021, mas vamos primeiro esclarecer alguns pontos.
Estatísticas e safra 2020
O Brasil atualmente não tem mais um órgão central específico para o café como o FNC na Colômbia, mas isso não significa que os dados coletados com outras instituições nacionais não sejam confiáveis e precisos.
Uma das principais fontes de informações estatísticas para o setor cafeeiro do Brasil é a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). Seus dados são públicos, se conhece a metodologia e a equipe faz atualizações nos números conforme a nova safra se aproxima, por isso usaremos seus dados estatísticos como base.
Por exemplo, em janeiro de 2020, a CONAB estimou que a produção de café do país seria de 57,1 a 62,0 milhões de sacas. Os primeiros levantamentos, em setembro de 2020, indicaram uma safra de 61,6 milhões de sacas de café colhidas. Uma previsão notavelmente boa considerando que o total de terras cultivadas de café no Brasil são de 2,16 milhões de hectares, o que é quase equivalente ao tamanho total de El Salvador.
Muitos players nacionais e internacionais também costumam divulgar muito antecipadamente a previsão da safra de café brasileira, mas com metodologias ou métodos estatísticos às vezes pouco claros. Isso não significa que há más intenções nos números ou mesmo que os dados sejam de baixa qualidade, mas de forma geral devemos ficar atentos e ter um olhar crítico para todas as informações e dados sem referência ou metodologia clara.
De acordo com o último levantamento e relatório técnico da CONAB, o Brasil colheu 47,4 milhões de sacas de arábica este ano, o que representa 76,9% do volume total colhido. Acredita-se que esta seja a segunda maior safra de todos os tempos, pois boas condições durante a granação e colheita, além de biênio positivo alavancaram os números. A estiagem também melhorou a qualidade média do café em quase todas as regiões brasileiras, além de ter favorecido o transporte desses grãos para os portos e armazéns de todo país.
Atualmente, há constantes relatos de traders sobre armazéns cheios de sacos de café aguardando processamento ou exportação. Além disso, segundo os últimos dados divulgados pelo CECAFE (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), o Brasil exportou 3,8 milhões de sacas desde setembro, um recorde para o mês. Esse número provavelmente teria sido ainda maior se não fosse pela falta de contêineres e navios, reflexo de um fluxo logístico mundial afetado pelo COVID-19.
Resumindo, o Brasil produziu muito café nesse ano.
Fisiologia, Metabolismo e Clima
Até o momento, levantamentos numéricos para a safra 2021 devem ser considerados como muito aproximados e com grande margem de erro. No entanto, para arábicas, alguns pontos já podem ser comentados de forma qualitativa através de observações de campo, dados de estações meteorológicas e aspectos fisiológicos bem conhecidos da espécie.
Um fator fisiológico bem conhecido para o arábica é a natureza bienal da produção. Esse efeito está relacionado a distribuição e drenagem de nutrientes e carboidratos na planta. Um ano, a planta produz mais frutos e, em consequência, menos folhas e ramos crescem. No ano seguinte, esse padrão de crescimento é invertido à medida que menos frutos se formam e mais folhas e ramos se desenvolvem.
No Brasil, devido aos rendimentos geralmente elevados por hectare, esse fenômeno é intensificado, o que significa que essa diferença anual de produtividade é ampliada de uma safra para outra. Por exemplo, em 2018 foram colhidas 45,5 milhões de sacas de arábica e 2019 seguiu com uma redução de 27,8%, para 34,3 milhões.
Se aplicarmos essa redução no biênio 2020 e 2021, o resultado seria 47,4 milhões de sacas de arábica em 2020, seguidos por cerca de 34 milhões de sacas em 2021. Lembrando que esse número não leva em consideração fatores relacionados ao envelhecimento das plantas, novos plantios e plantações renovadas, mas dados da CONAB indicam que nos últimos anos houve pouca ampliação na área de cultivo ou crescimento substancial de lavouras em formação.
Vamos pensar nessa margem de redução e colocar na conta fatores climáticos que influenciarão a colheita de 2021, principalmente altas temperaturas e falta de chuvas.
Clima e a colheita futura
Para entender melhor os efeitos do clima nas futuras safras, uma breve lição de fisiologia do Coffea arabica é necessária. Nas condições climáticas encontradas na maioria das regiões produtoras brasileiras, a diferenciação das flores que serão responsáveis pela safra do ano seguinte ocorre entre fevereiro e junho. Sendo assim, as gemas reprodutivas já estão presentes nas guias laterais do cafeeiro muito antes da abertura das flores. Quando a estação começa a mudar, fatores como comprimento do dia, temperatura e redução do ritmo de chuvas fazem com que esses botões fiquem “dormentes” até geralmente as primeiras chuvas de setembro, quando a floração começa a ocorrer.