Usinas de benefício compactas: garantindo a qualidade de micro e nanolotes de café
Pouco se fala sobre este momento da jornada do café, mas o benefício seco é essencial para garantir a qualidade e os atributos que os frutos adquiriram no cafezal. Após o processamento (natural, cereja descascado, lavado, honey...), a secagem e o período na tulha, o café precisa passar pelo beneficiamento antes de ser entregue para os clientes. Mas como o benefício impacta na qualidade de micro e nanolotes de café?
Processos criados em uma realidade de grandes lotes, até pouco tempo atrás, benefício e rebenefício não eram adequados ao preparo de lotes menores, que requerem maior cuidado e atenção. Volumes mínimos muito grandes e maquinários que acumulam resíduos fizeram do preparo de pequenas quantidades de cafés especiais algo bastante desafiador, trazendo inclusive prejuízos para produtores e compradores.
Para conhecer mais sobre o tema e saber como alguns produtores e armazéns estão lidando com essa questão, o PDG Brasil conversou com alguns especialistas. Continue lendo para saber o que nos disseram.
O que são o benefício e o rebenefício de café?
Para além do terreiro, dos tanques de fermentação e das tulhas, um dos momentos mais importantes em se tratando de padrão, consistência e qualidade de café é o beneficiamento. Geralmente dividido em duas partes, benefício e rebenefício, o processo se difere do que acontece no cafezal. São fases industriais dos cuidados com o café, que requerem outros conhecimentos técnicos, além de maquinários de alta eficiência e durabilidade.
Muitas vezes, algumas produtoras e alguns produtores, por não contarem com os equipamentos e o espaço necessários, acabam terceirizando tais processos. É bastante comum o beneficiamento ser realizado, por exemplo, em armazéns de associações, terceirização com prestadores de serviços em unidades móveis, cooperativas ou mesmo de exportadoras que oferecem essa estrutura. Ao final, o produtor acaba terceirizando e perdendo o controle de uma operação crucial para produção de cafés de qualidade.
Veja o que significam cada uma dessas fases do beneficiamento:
Benefício
Ao ser retirado da tulha, o café precisa ser limpo (separado de impurezas, como terra e galhos) e descascado, para virar o que tecnicamente chamamos de “café verde” ou grão beneficiado. Essa fase é realizada com equipamentos de pré-limpeza (peneirão), abanadores e descascadores.
Rebenefício
Já o rebenefício é a fase da classificação em que o café é preparado de acordo com as especificações do comprador. Maquinários como o separador de pedras, classificadores e mesas densimétricas, separam os grãos por tamanho (peneira) e densidade e outros detectam os grãos com defeitos, descartando-os.
Algumas vezes, no rebenefício é necessário também fazer a homogeneização do teor de umidade, por meio de ventiladores. Após todos esses processos, o café “preparado para embarque” será armazenado nas sacas, big bags ou silos a granel, para posteriormente serem enviados para os compradores.
Carlos Palini é diretor comercial da Palinialves, empresa especializada na produção e no fornecimento de maquinários e soluções tecnológicas para fazendas e armazéns de café, há 40 anos. Seus clientes são cafeicultores e cafeicultoras de todos os portes, exportadores, cooperativas, associações.
Carlos destaca: “O rebeneficiamento é a etapa que coroa todos os esforços da produção de café. O cafeicultor, exportador ou a cooperativa, prepara o lote para atender a demanda do cliente. É a carta de apresentação. Um erro no momento do beneficiamento e você pode prejudicar todo um projeto”.
Gerente operacional da Agropecuária Minamihara, Martha Grill também considera o beneficiamento de extrema importância. “Para quem trabalha com qualidade, após o benefício, é essencial rebeneficiar o café para enquadrar o lote dentro dos padrões desejados”, diz.
“Por melhores que sejam os tratos culturais na lavoura e o cuidado na colheita e secagem, todo café apresenta uma porcentagem de defeitos que vai influenciar na qualidade final da bebida”, explica Martha. “Um rebenefício bem-feito trata não apenas de tirar os defeitos, mas também de manter atributos e de não adicionar mais defeitos.”
Necessidades específicas no benefício de micro e nanolotes
Quando um cafeicultor ou uma cafeicultora decidem produzir café especial, ou mesmo cafés orgânicos, sustentáveis, biodinâmicos e agroecológicos, a dedicação necessária, que já não era pouca, intensifica-se. O tempo, a energia, o cuidado, os estudos e o investimento precisam ser maiores e mais frequentes. E o que se espera é ter um retorno tanto financeiro (valor a mais que será pago por esse café) quanto de reconhecimento (premiações em concursos de qualidade, reputação, potencial de exportação e facilidade de venda do café).
Mas no meio do caminho pode ter uma pedra. E galhos. E grãos brocados, quebrados, conchas, marinheiros, cascas e outros problemas que podem colocar em risco todo o trabalho de um ano inteiro e relacionamentos comerciais de décadas.
Getúlio Minamihara é produtor e proprietário da Agropecuária Minamihara, em Franca, região da Alta Mogiana. O engenheiro agrônomo, terceira geração de produtores de café, conta que todos os cafés que cultivam são orgânicos e naturais de excelência e que a fazenda aposta em inovação, em todos os processos, desde campos experimentais com variedades exóticas e novos caminhos de processamento e beneficiamento.
“Dependendo do ano, nossa produção de micro e nanolotes ultrapassa os 40% e representa mais de 60% de nosso faturamento. Esses lotes são colhidos seletivamente a mão e secos em terreiro suspenso.”
Ele explica que na Minamihara são produzidos mais de 100 lotes por safra, cada um com uma especificidade de sabor, densidade e características diferentes. “Por isso, é importante ter um equipamento capaz de detectar essas sutilezas e entregar o melhor resultado.”
“Quanto menos defeitos e maior homogeneidade na saca do café, maiores são as condições de o mestre de torras ressaltar os atributos na bebida. E temos de cuidar. Queremos criar experiências únicas e raras aos consumidores”, explica Getúlio.
O consultor técnico Renan Bertoli, especialista em pós-colheita e qualidade de cafés da Origina Café, concorda. “Os pequenos volumes especiais são lotes que precisam de um rigoroso processo de beneficiamento.”
Também engenheiro agrônomo, Renan já vivenciou a produção cafeeira em países da América Central, da África e no Brasil. Ele diz: “Os principais diferenciais dos micro e nanolotes são a rastreabilidade, a qualidade e a exoticidade. Os grãos de um microlote são selecionados e processados com todo o cuidado e a atenção para atingir notas sensoriais acima da média. Em alguns casos, apresentam características únicas e específicas. Algo que não pode se perder”.
Renan destaca ainda a necessidade de cuidado para não contaminar os lotes: “Quando se beneficia esses cafés diferenciados ‘exóticos’ nos mesmos maquinários dos demais lotes de maior volume, a atenção tem que ser maior para que não haja uma contaminação dos grãos de qualidade inferior nesses lotes”.