O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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Tenho sido muito questionado por colegas sobre a queda de muitas folhas no cafeeiro, e pelos produtores sobre os frutos cerejas estarem evoluindo rapidamente para o estádio passa e, em alguns casos, o verde/verde-cana virando diretamente para seco. Resolvi então levar essas questões para um expert no assunto: o prof. José Donizeti, que traz neste conteúdo a explicação fisiológica sobre esse importante momento: a janela ideal de colheita do café.
No Brasil, os frutos do café amadurecem durante os meses de outono, embora em muitas regiões nessa época a colheita já iniciou. As características principais dessa estação são as gradativas reduções da luz solar diária, da temperatura noturna mais destacadamente e das chuvas ao longo de sua duração. Em resposta a esse novo ambiente, o cafeeiro inicia uma progressiva redução no metabolismo celular e na translocação de carboidratos, o que leva a uma drástica queda no crescimento de ramos e folhas. Em resumo, a parte aérea das plantas para de crescer (e esse processo é mediado unicamente pelas baixas temperaturas, independentemente de água), enquanto as radicelas, por conta do poder tamponante do solo em segurar a temperatura em níveis adequados ao metabolismo, continuam ativas e crescem abundantemente. Esse crescimento das raízes absorventes só é verificado se houver água disponível no solo. Portanto, a irrigação nesse período favorece tão somente o crescimento radicular, principalmente em solos com bons níveis de fertilidade.
Em relação aos frutos, que nessa época já completaram a granação, o período seco frio, a paralisação do metabolismo e o transporte de carboidratos formam as condições necessárias para início e manutenção do processo de maturação, regulado pela síntese de etileno. Sob outono e inverno mais amenos, o amadurecimento ocorre de maneira mais lenta, o que dá tempo para que as reações bioquímicas nos frutos se completem e o produto final seja de ótima qualidade. Isso equivale a dizer que os frutos passam por longos períodos no estádio cereja e com isso acumulam açúcares e substâncias nos grãos que conferem características sensoriais superiores. Daí a preocupação de se colher o café com o máximo possível de frutos cerejas, evitando que o fruto seque no pé.
Nessa época do ano, um assunto que sempre desperta o interesse dos cafeicultores é o ciclo de maturação mais curto, em que frutos cerejas evoluem muito rapidamente para o estádio passa e, em casos extremos, o verde/verde-cana virando diretamente para seco. Esses dois casos não são bons para a qualidade do café, uma vez que os frutos ficam mais susceptíveis aos efeitos negativos da fermentação na própria planta ou pelo aumento do volume de café de varrição.
Para entender como esse processo acontece é preciso lembrar que o fruto do café é formado pela casca, que envolve uma camada de mucilagem ou polpa que, por sua vez, se sobrepõe ao pergaminho que empacota cada semente. Quando esse fruto seca concomitantemente à perda de água, a mucilagem é rapidamente consumida e o resultado é uma estrutura de aspecto escuro e enrugado, que é o fruto seco.
Como dito anteriormente, uma extensa janela de cereja só acontece sob condições de temperaturas relativamente baixas. Nessas condições, a perda de água e a degradação enzimática dos compostos orgânicos presentes na polpa do fruto serão lentas em virtude de uma menor taxa de respiração. Tudo isso, obviamente, mediado pela menor taxa de formação de etileno. Com isso, as alterações bioquímicas favoráveis à qualidade dos frutos ocorrerão em sua plenitude.
Por outro lado, seca e temperaturas mais elevadas ou seca seguida por chuvas volumosas que provocam um choque hídrico/térmico têm efeitos opostos, uma vez que aumentam a síntese de etileno, a rápida degradação da mucilagem e a perda de água em um processo retroalimentado em que o etileno produzido estimula a sua própria síntese e amplifica seus efeitos. A consequência desse ciclo de retroalimentação é o encurtamento do período de maturação dos frutos, seja pelo estreitamento da janela do café cereja ou passagem direta dos frutos verde/verde-cana para seco, principalmente no terço superior das plantas. Esse fenômeno é potencializado em lavouras de menores altitudes ou com problemas nutricionais e fitossanitários, especialmente àquelas que sofreram ataques de ferrugem.
Nem sempre são permitidas práticas que anulem a janela estreita do café cereja. Cultivo em altitudes elevadas, preferência pelas faces com exposição mais prolongada ao sol da manhã, menores espaçamentos, cultivares de maturação tardia, arborização quando possível, produtos que retardam o amadurecimento, adubação equilibrada, controle de pragas e doenças, entre outras tecnologias que mantenham o enfolhamento da lavoura certamente minimizam o problema.
A presença de estrelinhas nas lavouras de café é um aviso, uma resposta das plantas ao clima adverso de que algo está fugindo da normalidade
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