O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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O café arábica apresenta flutuações sazonais de crescimento, frequentemente associadas a fatores climáticos limitantes, que prevalecem em cada região de cultivo. Agora por exemplo com a chegada do inverno, o padrão de crescimento da parte aérea vai sofrer profundas transformações. Com o frio, as quedas no crescimento de ramos e folhas, que iniciaram neste mês de abril, vão se intensificar a partir de maio, alcançado taxas negligenciáveis em junho, julho e agosto. A retomada do crescimento ativo somente deverá ocorrer com a chegada das chuvas e após a elevação das temperaturas no começo de setembro.
Em 1991, o Prof. Alemar Braga Rena (UFV) orientou uma tese de doutorado (1), da qual participei como co-orientador, que teve por objetivo caracterizar a influência de diferentes fontes de nitrogênio (nitrato e ureia) aplicadas no inverno, da remoção dos frutos e da extensão do fotoperíodo sobre o ritmo de crescimento do cafeeiro irrigado, em Viçosa. Os resultados dessa pesquisa mostraram que esse padrão de crescimento; rápido na estação quente e chuvosa (setembro a março) e de baixa atividade na estação seca fria (março-setembro); não se modificou com a irrigação, com o fotoperíodo e com a carga de frutos.
Particularmente sobre a adubação com N no período do frio, foi verificado que ela, embora não evitasse a queda no crescimento da parte aérea no outono e nem tão pouco impedisse o repouso vegetativo do cafeeiro no inverno, manifestou-se positivamente na retomada de crescimento na primavera, induzindo maiores taxas de crescimento de ramos e folhas até meados de dezembro, em relação às plantas que não receberam o N adicional (Figura 1). O mais provável é que o ritmo de crescimento da parte aérea do café acompanhe o ritmo das temperaturas. Ao que tudo indica, a queda no crescimento do cafeeiro na época fria, está ligada às temperaturas mínimas do ar, próximas a 14°C, mesmo por um intervalo curto de tempo.
Figura 1. Linhas de tendências das taxas de crescimento de ramos e folhas de cafeeiros supridos ou não com nitrogênio no inverno. (Adaptado de Amaral, 1991).
Para explicar a efetividade da adubação nitrogenada de inverno, foi realizado também estudos da assimilação do nitrogênio, mediante análise da atividade da redutase do nitrato nas folhas e radicelas (Figura 2). Os resultados revelaram que nas folhas, o fenômeno mais marcante foi o desaparecimento da atividade da enzima a partir de meados de maio, permanecendo dessa maneira até o final de agosto, independentemente do N adicional no inverno. A partir de setembro, a assimilação foliar do N em cafeeiros que receberam o N no inverno, foi mais que o dobro daquela observada nos cafeeiros que não foram adubados com N no frio.
Por outro lado, nas raízes, a atividade da enzima permaneceu significativamente elevada no outono, inverno e primavera com o suprimento adicional de nitrogênio. Nas plantas-testemunha, a atividade nas raízes decresceu rápida e progressivamente até fins de julho. Na sequência ela aumentou, mas não atingiu o nível das plantas adubadas com N no inverno.
Figura 2. Linhas de tendências das atividades da redutase do nitrato em folhas e radicelas de cafeeiros supridos ou não com nitrogênio no inverno. (Adaptado de Amaral, 1991).
Como a temperatura do solo, ao contrário da do ar, dificilmente caiu abaixo de 15°C e normalmente permanecesse acima de 17°C em boa parte do dia, ficou evidente que a adição de N no inverno, favorecida pela água de irrigação e por temperaturas mais favoráveis do solo, estimulou a síntese/atividade da redutase do nitrato nas raízes e manteve o sistema radicular mais ativo durante todo o período de frio. Estes resultados mostram que a adubação nitrogenada de inverno, visa unicamente a manutenção do desenvolvimento radicular no período frio, o que levaria um maior desenvolvimento inicial da parte aérea no início do verão.
Corroborando com esses resultados, pesquisas coordenadas pelo Dr. Paulo Tácito Gontijo Guimarães (EPAMIG) em Patrocínio – MG (2), revelaram que, numa média de quatro safras avaliadas, as adubações realizadas completamente no inverno ou, em maior proporção no inverno com o restante no verão, além de melhorar o enfolhamento da planta, proporcionaram por conta do crescimento antecipado das raízes, maiores produtividades dos cafeeiros do que aqueles com adubações realizadas tradicionalmente no verão.
Os efeitos da adubação com N no inverno permitem refazer as interações nitrogênio-cafeeiro-clima dentro de uma linha do tempo (Figura 3). A adubação nitrogenada no inverno ativa a assimilação de N nas raízes. Os metabólitos nitrogenados acumulados estimulam a atividade radicular e o lançamento de radicelas, sem favorecer, contudo, o crescimento da parte aérea que está limitado pelas baixas temperaturas. Com a chegada das chuvas e com o aumento da temperatura no início da primavera e, em função de um crescimento antecipado das raízes, ocorre um imediato aporte de água, nutrientes e metabólitos nitrogenados para a parte aérea, promovendo um vigoroso crescimento de ramos, folhas e emissão de entrenós.
Figura 3. Linha do tempo dos efeitos da adubação nitrogenada de inverno no crescimento de raízes e parte aérea do cafeeiro.
É fato que até então, muitos cafeicultores não adotam a estratégia de antecipar parte da adubação nitrogenada para o período de inverno, seja por desconhecimento ou por resistência natural às mudanças de hábito. No entanto, os dados das pesquisas e os depoimentos daqueles que a adotam, mostram que ela é uma alternativa viável, segura e lucrativa porque, além de aumentar a produção, equilibra as relações fonte-dreno, estimulando o crescimento radicular justamente quando a planta paralisa o desenvolvimento da parte aérea.
Se não bastassem as vantagens fisiológicas e econômicas, resta ainda o argumento de que depois da adubação, são necessários quase um mês para elevar o teor de N nas folhas e o cafeeiro passe a usufruir de seus benefícios. Portanto, ao antecipar o fornecimento de nitrogênio, a parte aérea do cafeeiro, tão logo as condições climáticas permitam e a fotossíntese volte a aumentar, vai encontrar à sua disposição, metabólitos orgânicos nitrogenados prontamente disponíveis para participar dos eventos fisiológicos da época. Essa rápida e intensa retomada do crescimento vegetativo faz com que a lavoura retorne do período seco com mais vigor. Outras vantagens de se antecipar a adubação nitrogenada pode ser conferida nos textos de: Dr. Davi Moscardini, Adubação nitrogenada de inverno_uma abordagem científica e do Eng. Agron. Maciel Carlos onde ele destaca que “é visível a rápida recuperação das plantas logo que se inicia o período chuvoso e consequente reforço na produção - Nitrogenada de inverno cafeeiro
Finalizando, esta técnica que está sendo preconizada, não implica em adicionar maiores quantidades de nitrogênio além daquilo que foi recomendado. Alguns consultores e técnicos, recomendam antecipar para o inverno, o primeiro parcelamento da adubação, justamente para repor, na pré e pós-florada, a alta quantidade de N remobilizada pelos frutos da safra anterior e garantir um bom vingamento da florada e pegamento dos frutos. Alternativamente, o cafeicultor pode adicionar no inverno, fertilizantes de liberação lenta ou controlada ou o nitrato e até mesmo o sulfato de amônio e a ureia na dose de 80 a 100 Kg de N por exemplo, descontando a dose aplicada na última parcela após a granação (quando a demanda por nitrogênio pelo cafeeiro diminui), haja visto que nessa época, ele já tenha colocado, como recomendado, 75% do adubo programado. Para maiores detalhes sobre fonte, dose e época, consulte as literaturas especializadas e fale com seu consultor, técnico ou engenheiro agrônomo.
(1) AMARAL, J. A. T. Crescimento vegetativo estacional do cafeeiro e suas inter-relações com fontes de nitrogênio, fotoperíodo, fotossíntese e assimilação de nitrogênio. 1991. 139 f. Tese (Doutorado) Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 1991.
(2) Kaio Gonçalves de Lima Dias; Paulo Tácito Gontijo Guimarães; Thiago Henrique Pereira Reis; César Henrique Caputo de Oliveira. ADUBAÇÃO DE INVERNO PARA A CULTURA DO CAFEEIRO. VIII Simpósio de Pesquisa dos Cafés do Brasil. 25 a 28 de novembro de 2013, Salvador – BA.
Contato:
Prof. José Donizeti Alves / FisioCafé Consultoria e Palestras Ltda
fisiocafeconsult@gmail.com / Celular - (35) 99200-6703
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