O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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Após a safra de 2019/20, quando se alcançou o recorde histórico da produção brasileira de café arábica (estimada em 49,7 msc pelo USDA1), seguiu-se temporada em que a produção ficou aquém das necessidades do mercado devido ao ciclo bienal, intensificado pela portentosa safra anterior. Assim, em 2020/21, segundo as estimativas do USDA e CONAB colheram-se, no Brasil, 36,4 msc e 31,3 msc de arábica, respectivamente (Figura 1).
As consecutivas geadas de jun.-jul./2021 seguida por estiagem prolongada associada a elevadas temperaturas médias durante os meses de setembro e outubro e, no ano seguinte, escassez de precipitações, foram responsáveis pela queda na produção de arábica registrada, na safra 2021/22, estimada em 41,5 msc e 32,4 msc - USDA e CONAB, respectivamente.
FIGURA 1 – Estimativas de safra de café arábica, USDA e CONAB, Brasil, 2001 a 2022
Fonte: Elaborada a partir de dados básicos de www.conab.gov.br e https://apps.fas.usda.gov
Comparando-se as curvas, construídas a partir das estimativas das duas instituições, tem-se que a diferença a maior do USDA foi de 11,92% na média do período considerado. Contabilizando os mesmos diferenciais exclusivamente para ciclos de alta e de baixa da produção, alcançam-se os seguintes diferenciais: 12,97% nas altas2 e 10,87% nos de baixa. Entretanto, os anos em que ocorreram distúrbios climáticos severos que afetaram as safras de arábica (três ocorrências no período considerado), esse desvio alcança 16,30%, ou seja 4,37% a mais que o esperado pela média geral e 5,43% acima da média dos ciclos de baixa. Curiosamente, na safra 2021/22, ocorre um descolamento entre as estimativas avançando a diferença para a casa dos 28%! Está claro que haverá uma correção para baixo no dado estadunidense pois não existe oferta de produto que ampare tamanha discrepância.
Estabelecidos os diferenciais entre as instituições, para os distintos momentos da safra de arábica brasileira, em que patamar seria possível estimar a futura safra 2022/23, ponderando a estimativa mediante os condicionantes da atualidade do mercado. Antes de alcançar essa expectativa, um grande parêntese aqui se inicia.
Após o recorde de produção da safra 2019/20, o cafeicultor obteve valores recebidos pelo produto bastante próximos ao custo de produção (para aqueles cafeicultores dentro da média de produtividade esperada para a cultura). Segundo dados do IEA3, os preços recebidos somente ganharam impulso ascendente a partir das geadas seguida por estiagem ocorrida na safra 2021/22 (Figura 2).
FIGURA 2: Trajetória dos preços recebidos pelos cafeicultores paulistas, café secagem natural, out./2019 a set./2022
Fonte: Elaborado a partir de dados básicos do IEA.
Ainda que os preços tenham sido alavancados pelos distúrbios climáticos nos principais cinturões de arábica do Brasil, a explosão nas cotações dos fertilizantes, do diesel e a elevação dos salários rurais, em razão da escassez de oferta desse tipo de mão de obra, repercutira fortemente sobre os custos de produção, trazendo uma falsa percepção aos operadores desse mercado de que a ascensão das cotações trouxe rentabilidade excepcional para os cafeicultores. Percentual significativo de cafeicultores, por cumprimento contratual (futuro), entregou café a preço abaixo dos R$700,00/sc, não se beneficiando dessa alta. Aqueles que alcançaram eventual resultado favorável apenas mitigaram o endividamento crônico experimentado pelo segmento, não se observando excedente financeiro que conceda fôlego necessário para um salto nos investimentos, quer em renovação da lavoura; mecanização do manejo e da colheita; irrigação e/ou na modernização das instalações empregadas no pós-colheita.
Em out./2022, reuniu-se cerca de uma centena de engenheiros agrônomos consultores, cafeicultores empresariais, extensionistas atuantes em cinturões cafeeiros, técnicos associados a cooperativas4 para debater aspectos das safras 2021/22 e as expectativas para 2022/23. Nesse fórum estavam presentes representantes das seguintes regiões: Cerrado de Minas, Sul de Minas, Matas de Minas (envolvendo também o Espírito Santo); Mogiana Paulista; Centro Oeste Paulista e Paraná; Conilon e respectivas cooperativas. A realidade de cada região possui especificidades que não compete trazer para essa análise, porém em linhas gerais alguns aspectos são comuns:
⦁ quebra na expectativa de produção da safra 2021/22 entre 40% e 60%;
⦁ novos plantios na casa dos 3% a 5% (ligeiramente abaixo do esperado);
⦁ áreas erradicadas com tendência de sair da cafeicultura optando, alternativamente, pelo cultivo de cereais5;
⦁ desfolha parcial dos ponteiros com florada concentrada nesse terço superior da planta;
⦁ maior incidência de bicho mineiro em áreas em que esse problema não assumia dano econômico;
⦁ lavouras que foram afetadas pela geada com brotação intensa carecendo de desbrota;
⦁ florada de setembro (70% do total) com bom pegamento e boa formação de chumbinhos;
⦁ clima bastante favorável para o desenvolvimento das plantas (precipitações abundantes e clima ameno – adequado para a formação de folhas novas);
⦁ excesso de precipitações impedindo a realização de pulverizações (controle da ferrugem prejudicado);
⦁ deficiência de zinco e boro pronunciada; e
⦁ talhões exigindo podas que estão sendo adiadas.
Trata-se, portanto, de miríade de problemas, relatados de forma relativamente unânime, trazendo incertezas para a dimensão da próxima safra6. De modo geral o pronunciamento do grupo alinhou-se numa safra menor que 2019/20 e maior que 2021/22, o que em arábica oscilaria entre 41msc e 49 msc, segundo o USDA, com tendência francamente favorável para o piso e não para o teto dessas previsões.
Voltando ao início da análise o desvio médio calculado entre CONAB e USDA foi de 11,92%. Contabilizando as estimativas dos técnicos das diversas regiões que participaram do referido encontro, reportou-se 35 msc para a safra 2022/23. Assumindo esse número como hipótese para a previsão da CONAB e, aplicado sobre ele percentual médio de diferença, o dado americano poderá se posicionar entre 39 msc (média geral) e 40 msc (média para anos de alta) para a produção de arábica no Brasil.
No cenário internacional os temores de inflação persistente (encarecendo o crédito e corroendo o poder de compra), as expectativas de recessão no velho continente e o prolongamento da invasão russa, causam apreensão na agroindústria da torrefação que se posiciona defensivamente na aquisição de suprimentos, enquanto o trader comprime margens para fazer frente ao custo do dinheiro (mais seguro e outras despesas que também cresceram). Diante disso é natural que o mercado faça ajustes baixistas. Porém, diante da possibilidade da próxima safra se posicionar aquém das estimativas elaboradas pelos investidores do mercado de café (circula o patamar de 70 a 73msc para o Brasil), a esperança que se frustrará doerá no coração e no bolso que, no caso dos investidores, formam uma espécie de sistema integrado.
Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA
celvegro@sp.gov.br
1 Na safra 2019/20, o USDA estimou que a produção brasileira alcançou 69,9 msc.
2 Nas duas últimas safras de alta o diferencial entre as instituições foi de apenas 3,32%, ou seja, números empatados dentro da margem de erro.
3 Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2 (acesso em 21/10/2022).
4 O encontro é organizado anualmente pela SINGENTA, traz para o fórum membros dos Grupos Tecnológicos do Café (GTEC’s arábica e conilon) e, ainda, os agrônomos atuantes nas cooperativas.
5 O valor venal da terra para cultivo no município de Franca alcança o patamar deR$50 mil o hectare. Investimentos produtivos capazes de amortizar esse custo de oportunidade pendem mais para o campo dos cereais do que para a cafeicultura. Disponível em: http://ciagri.iea.agricultura.sp.gov.br/calculadora (acesso em 21/10/2022).
6 Percurso pelo Sul de Minas (Campestre, Machado, Paraguaçu, Eloi Mendes, Varginha, Três Pontas, Alfenas, Areado, Muzambinho, Cabo Verde, Botelhos) efetuado por colegas do GTEC Centro Oeste Paulista e Norte do Paraná, em out./22, observou que excetuando-se as lavouras irrigadas, as lavouras estavam em estado nutricional bastante comprometido com limitações para oferecer elevadas produtividades.
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