O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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A partir do início do outono, de uma maneira geral, folhas e ramos de café desaceleraram progressivamente o crescimento e, no inverno, o freio foi definitivamente acionado, o crescimento cessou e as plantas entraram no chamado repouso vegetativo. Por outro lado, os frutos, ao contrário, cresceram e amadureceram respectivamente nesses períodos. Desde dezembro, o cafeeiro já estava dando sinais de que isso iria acontecer, quando passou a desviar, paulatinamente, a rota de utilização de carboidratos em direção aos frutos e em detrimento dos ramos ortotrópico e plagiotrópico.
A queda na temperatura noturna foi o sinal externo desencadeante dessas respostas, que, na verdade, foram reflexos de uma forte desaceleração na atividade de milhares de enzimas foliares a ponto de fazer com que agora, no inverno, o metabolismo caísse ao nível basal. A partir daí, não se notam mais nenhum crescimento de ramos e folhas. Em outras palavras, enquanto o repouso permanecer, a planta estará fazendo apenas o suficiente para que essas partes permaneçam vivas. Por outro lado, os frutos, acionando processos de transformações bioquímicas que não envolvem consumo de carbono e não exigem nenhum gasto de energia, amadurecem.
Vê-se aí um coordenado equilíbrio entre os crescimentos vegetativo e reprodutivo. Quando ramos/folhas crescem, a frutificação se estabelece. Quando frutos crescem, a ramificação e o enfolhamento interrompem. Para uns, esse jogo se chama competição entre as partes vegetativa e reprodutiva. Para outros, ramos e folhas cedem a prioridade de crescimento aos frutos. Independente daquilo que denominamos, o cafeeiro segue crescendo e produzindo frutos ano após ano. Tudo isso coordenado pelo ambiente e por um fino balanço hormonal envolvendo promotores (auxina e giberelina) e inibidores (ácido abscisico e etileno) de crescimento, em que uns caem e outros sobem.
Para que haja harmonia entre folhas e frutos no cafeeiro é necessário que as primeiras (fonte) supram de carbono e energia o segundo (dreno). Para tanto, as folhas têm que estar em número e qualidade adequadas para manter a carga de frutos desde a pré-florada, passando pelo vigamento dos botões, crescimento e maturação dos frutos. Se em alguma dessas fases houver comprometimento no número e na qualidade das folhas, as safras atual e próxima poderão ser comprometidas em níveis proporcionais aos danos.
Posto essas colocações fisiológicas que de certa forma suprem de conhecimento a técnicos e a cafeicultores na tomada de decisão, resta agora responder à pergunta título dessa matéria. Antes disso, nunca é demais reafirmar que a cafeicultura é uma atividade em que ações de hoje podem refletir nos resultados em até dois anos, portanto não se pode descuidar em nenhuma época do ano.
No inverno, o metabolismo foliar é muito baixo e, portanto, muito pouco há que se fazer com pena de jogar recursos fora. O ideal é preparar a lavoura para esse período seco e frio e as ações devem ser tomadas a partir de setembro, começando com (i) adubações durante todo o período chuvoso, sempre obedecendo a análise de solo e folhas; (ii) calagem e gessagem; (iii) poda, de preferência logo depois da colheita e sem esquecer as desbrotas; (iv) adubações foliares; (v) controle de pragas, doenças e do mato durante todo o ano; (vi) desde que houver necessidade, irrigar continuamente a lavoura, mas sem perder de vista a necessária suspensão da irrigação no inverno, com vista a concentrar a florada; (vii) bioestimulantes em épocas bem definidas; (viii) adubação nitrogenada de inverno desde que se tenha chuva ou irrigação; (ix) consultoria idônea/reconhecida no meio e (x) estudar sempre e ler bastante sobre a cultura do café.
Se ficarmos atentos a essas e outras práticas que não foram listadas aqui por falta de espaço, a lavoura sairá da colheita vigorosa, enfolhada e com folhas verdes e sadias, ramos com inúmeras rosetas e cada uma delas abrigando incontáveis botões florais, ramos plagiotrópicos grossos e sistema radicular profundo contendo em toda sua extensão raízes absorventes. Enfim, uma lavoura que, apesar de ter produzido bastante, apresenta todos os requisitos de uma grande safra vindoura. E mais além, aqueles que ainda não colheram o café poderão ter uma trégua para que se concentrarem mais ainda na colheita com a certeza de que fizeram bem o dever de casa, uma vez que a fonte da sua produção, que é a lavoura, está preservada para grandes produções nos próximos dois anos.
Pela sua experiência com o café e com o café irrigado, Guy traz uma opinião que reforça a necessidade de um estresse hídrico controlado com vista a uniformizar o desenvolvimento dos botões florais. Para ele, é fundamental que as plantas fiquem um período completamente sem água durante o inverno. Obviamente, há necessidade, como dito anteriormente, de prepará-las previamente para esse momento, realizando todos os tratos adequados e cuidando das partes nutricional e fitossanitária para que o cafeeiro fique do final de junho até o final de agosto/início de setembro sem água. Dentro da sua prática no campo e pela validação de experimentos conduzidos pela Embrapa (CPAC - DF), Guy afirma que isso é imprescindível para se fazer café especial, que é o foco do seu trabalho durante todos esses anos.
“Quando pensamos em café especial, pensamos em café de alta qualidade, e para isso o produtor deve colher o máximo de grãos cereja. Se a água não for interrompida por completo, as diversas floradas irão impedir que no momento da colheita se tenha o máximo de grãos cereja ao mesmo tempo nos pés de café, por isso o estresse hídrico total é necessário para que a florada ocorra de maneira mais uniforme, fazendo com que o produtor alcance maior produtividade e qualidade.”, disse Guy.
As fotos da galeria foram tiradas no dia 12/08/2020 na Fazenda Roselândia, em Carmo do Rio Claro/MG, de propriedade do Carlos Augusto Rodrigues de Mello. As lavouras fazem parte de uma área irrigada que está em fase final de estresse hídrico e devem receber água nos próximos dias, pois as gemas já estão prontas, ou seja, evoluíram o suficiente para uma florada bastante uniforme.
A presença de estrelinhas nas lavouras de café é um aviso, uma resposta das plantas ao clima adverso de que algo está fugindo da normalidade
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