O cafeeiro é resiliente aos estresses climáticos?
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Há algum tempo, a seca não se manifestava, tanto em termos de intensidade quanto de durabilidade, como nos últimos meses. Para o cafeeiro, essa anormalidade meteorológica com duração prolongada tem efeito no seu crescimento e desenvolvimento. Associado a esse fato, os dados de densidade pluviométrica de abril até o começo de outubro de 2020 estão em condições alarmantes de seca, com média de temperatura elevada e menor volume de chuva. A interação dessas duas condições de estresse com uma elevação de 20% da evapotranspiração desencadeou uma queda acentuada no volume de água armazenada no solo a níveis de déficits que normalmente são registrados somente no final da estação seca, como acontecido no verão de 2014.
Geralmente, o cafeeiro arábica é afetado nas suas diversas fases fenológicas pelas condições ambientais, em especial pela variação foto periódica e pelas condições meteorológicas, principalmente a distribuição pluviométrica e a temperatura do ar, que interferem não apenas na fenologia, mas também na produtividade e na qualidade da bebida.
A resposta fisiológica do café à baixa disponibilidade de água no solo é bastante complexa e apresenta diferentes modificações, como o aprofundamento do sistema radicular, desfolha e aumento do controle estomático. O estresse hídrico aliado às altas temperaturas afetam principalmente os processos fotossintéticos devido ao fechamento estomático e redução de outras atividades fisiológicas na planta, como a manutenção da capacidade de transporte de fotoassimilados da parte aérea para as raízes. A fase inicial da desidratação do cafeeiro corresponde a Ψam= -1,5 MPa, valor pelo qual já passa a governar as limitações estomáticas, reduzindo assim as taxas fotossintéticas, sendo que em taxas mais negativas (Ψam= -2,7 MPa) já se encontra em estado de murcha permanente, o que é visível nas primeiras horas da manhã.
O potencial hídrico tem revelado que o cafeeiro não consegue recuperar à noite a água perdida durante o dia, uma vez que a quantidade de água armazenada no solo não é suficiente para isso. Esse valor, para certas culturas, significa a morte da planta, já para o cafeeiro é um valor que causa sérios danos, como queda na fotossíntese e translocação de carboidratos, murcha e queda de folhas, seca dos ponteiros, morte de raízes, queda no número e no rendimento de colheita, entre outros. A planta não morre e com a volta das chuvas recupera sua turgescência, mas os danos causados pela perda de matéria seca são irreversíveis.
Para o cafeeiro, temperaturas médias anuais ótimas situam-se entre 18 e 22°C. A ocorrência frequente de temperaturas máximas superiores a 34°C causa o abortamento de flores, influenciando no funcionamento da planta. Os déficits hídricos podem levar à queda de produtividade, embora seus efeitos dependam da duração e da intensidade da deficiência hídrica e do estádio fenológico em que a planta se encontra. Nos estádios fenológicos de vegetação, formação do grão e maturação, uma deficiência hídrica severa pode afetar a produtividade.
As folhas do cafeeiro chegam a medir, às 15 horas, até 38°C, e a temperatura interna da copa 33°C. Essas altas temperaturas comprometem seriamente a fotossíntese, acelerando as reações catalisadas enzimaticamente, o que resulta na perda de atividade das enzimas. Várias fases biológicas têm seu desenvolvimento e/ou seu crescimento reduzidos e até paralisados totalmente em condições de temperaturas extremas. Considerando toda a copa do cafeeiro, a fotossíntese, na maior parte do tempo, opera em taxas insatisfatórias e, em certos momentos, negativas. Esse ganho de carbono é suficiente apenas para a manutenção da planta viva, sobrando muito pouco ou quase nada para o seu crescimento. Mesmo que as chuvas voltem, o dano do estresse da seca e da alta temperatura já afetou o enchimento dos frutos, o que equivale a dizer que aquele espaço vazio dificilmente será preenchido, afetando diretamente a produtividade cafeeira para o ano de 2021.
Fonte:
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